domingo, 26 de junho de 2011

Aniversário!

A vida com os filhos é mesmo assim. A gente vai amando e cuidando um dia após o outro e, de repente, nos damos conta que eles cresceram rápido demais e que já caminham com alguma segurança e autonomia.

Antes dos meninos, isto é, antes de ser pai, aprendi (com minha mãe, principalmente) que o tempo não para e que devemos aproveitar cada minuto da infância de nossos filhos. Porque, quando menos esperamos, já não temos mais crianças, restam-nos homens e mulheres feitos.

Só não sabia que com blogs as coisas também aconteciam desse jeito. Pois, agora há pouco, estava dando uma volta lá pelas primeiras postagens quando me deparei com a Lições de Filhosofia postada em 16 de junho de 2010. Caramba! O Filhosofias já completou seu primeiro ano de vida.

Como um blog acho que posso dizer que ainda engatinha, mas se movimento quase que por vontade própria. É sério. O Filhosofias não é somente o produto daquilo que tenho a dizer sobre crianças, filhos e tudo mais. Tem muito texto que escrevo que não consigo postar aqui, ou melhor, que não cabe aqui. E, por outro lado, a maioria das postagens não poderia ser lida noutro contexto.

Atribuo grande parte da responsabilidade pelo fato do Filhosofias ter movimento autônomo ou pulsação independente às pessoas que acessam as postagens e, depois, escrevem  e-mails e/ou comentários. O mais legal é isso. O Filhosofias acaba conectando pessoas em diferentes lugares, vivendo realidades e situações bastante distintas; talvez com um único ponto em comum: o amor incondicional pelos filhos, os nascidos e os que virão.

As estatísticas do blog registram acessos vindos de todo Brasil, de Portugal, dos Estados Unidos, da França, do Canadá, da Holanda, da Alemanha, da Itália, da Áustria, do Reino Unido, da Suécia, da Rússia, da Hungria, do Japão, da Noruega e de Cingapura.

Portanto, quero agradecer a todos pelo estímulo e, sobretudo, pela companhia. Ainda que a gente nunca venha a se encontrar, dá uma quentura no coração saber que vocês estão aí e que seguimos juntos nesse imenso desafio de fazer um mundo melhor para e com os nossos filhos.
 
Sintam-se abraçados, de verdade.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

aFoRiSmOs - Xixi em inglês é "one"

Este foi a Mi quem me contou.

Na saída do cinema, o João e seu amiguinho iam entretidos com o planejamento de cada brincadeira que fariam, juntos, tão logo chegassem em casa.
Aí, talvez querendo apressá-los um pouquinho, a Mi suspirou e disse: "Nossa, que vontade de fazer xaixai".
O Caio, no mesmo instante, perguntou: "O que é xaixai, Tia Mi?".
Ela esclareceu: "É vontade de fazer xixi, mas queria usar uma palavra mais discreta. Pensei em dizer xixi em inglês, mas como não sei, inventei 'xaixai'".
O João então pensou um pouquinho e respondeu: "Eu sei como se diz 'xixi' em inglês".
E a Mi duvidou: "Sabe?"
"Xixi em inglês é 'one'", sentenciou o João.
"Como, João?", a Emiliane questionou sem entender o que ele havia dito.
Ele então reiterou: "One. [Ora] Você não diz que cocô é 'number two', [logo] xixi só pode ser número um".

domingo, 19 de junho de 2011

Independente futebol clube

Não se enganem, a camisa da foto não é da seleção brasileira. É do único e verdadeiro time do coração de qualquer molequinho de 4 anos: o glorioso independente futebol clube.


Já o jogador... é um velho conhecido de todos nós: o fabuloso Tunico Penico.
O lance que vou narrar aconteceu hoje pela manhã.
Essa figurinha aí entrou no escritório, onde estava escrevendo a postagem anterior, e me pediu uma tesoura.
"Por que, filho?". Sem hesitar: "Para eu cortar o papel desenhado".
"Tudo bem", pensei. Afinal, estavam os dois na sala desenhando e pintando havia já meia-hora.

Dez minutos depois lá vem o craque com uma cara de safado, com a franja cortada e um tufo de cabelo nas mãos.


Primeiro eu disse: "Mas é um malucão". Depois admiti: "Ficou bonito!".
Reparem bem na irregularidade do corte. Além de iniciativa, tem estilo, não?


Tempo do abandono desolado de menino

Já contei aqui algumas passagens daquele período, em 2009, no qual (sobre)vivi entre Brasília e Catanduva sem a Mi e os meninos. E pior do que a "separação", foi viver durante meses sem qualquer perspectiva de que pudéssemos novamente passar a semana toda (e não só os fins de semana) juntinhos.

Meu cunhado, que me levava a Rio Preto para pegar o ônibus aos domingos a noite, ainda hoje diz que ficou de coração partido (e compreendeu o nosso drama) quando presenciou os meninos aos prantos, abraçados à perna da Mi na escada do Prédio, pedindo que eu ficasse.

Eles choravam sentidos, profundamente. Mas era eu o menino abandonado e desolado.

Agora, não nos sentimos mais assim. Como diz a música, "ter saudade até que é bom, melhor do que caminhar sozinho". Temos saudades, muita e de doer. Mas temos, principalmente, perspectiva de futuro. Isso é fundamental. Sem a presença constante e rotineira do amor entre pais e filhos fica difícil manter uma família, mas sem futuro, isto é, sem que consigamos ao menos projetar a convivência familiar para "depois" (quem sabe amanhã ou em breve ou no ano que vem...) sequer é possível  pensar em família.

Muito em breve estaremos todos juntos, novamente, vivendo no PlanaltoCentral.

Ainda hoje vou ouvir mais uma vez o Antônio me pedindo pra ficar e, depois, me dizendo que eu não posso viajar sem antes fazer tudo o que combinamos (a lista de brincadeiras e atividades nunca acaba). E quando digo que não dá mais tempo, ele fala que eu o enganei (na segunda, amanhã, é a primeira coisa que me dirá ao telefone). O João, por outro lado, me abraça o tempo todo e de tardezinha se aninha no meu colo feito um gatinho ressabiado. Contudo, ambos sabem -- do alto de seus 4 e 7 anos -- que eu sempre vou voltar, que eu nunca vou deixá-los e que daqui a pouco virei buscá-los para mais uma aventura.

O tempo do abandono desolado de menino é passado. Porque o grande amor é presente e, para nós quatro, é o futuro também.

domingo, 12 de junho de 2011

A herança da geração "pescoço de frango"

            O personagem principal desta estória, Laurindo Barbosa, é bisavô de um grande amigo. Completou em janeiro último cento e sete anos, fazendo questão de dizer que mesmo tendo perdido a virilidade não perdeu a lucidez. Depois de conhecê-lo e ouvi-lo falar cheguei a pensar que ele poderia ter se inspirado na resposta que aquele velho homem do livro Emílio de Rousseau oferece ao Rei Luis XV, quando questionado sobre o século de sua preferência: “Senhor, eu passei minha infância reverenciando os velhos. Sinto-me forçado a passar minha velhice reverenciando as crianças”. Mas seu bisneto, que realmente é meu amigo, garantiu-me que ele sempre foi um homem simples, um enfermeiro prático sem qualquer erudição.
Laurindo Barbosa gosta de provocar os mais moços, isto é, todo mundo, dizendo que nos últimos cem anos nada mudou. E antes que alguém esboce qualquer reação apresenta o seu testemunho como prova. “Mas não se trata apenas do testemunho ressentido de um velho”, diz ele. “É a história de toda uma geração, da ‘geração pescoço de galinha’” arremata.
Começa sua narrativa pedindo aos seus ouvintes que o acompanhem num retorno ao passado. Na verdade, um retorno ao raiar do século XX, à sua infância em Ribeirão Preto no Estado de São Paulo, onde viveu com sua família até se mudar para Catanduva em meados daquele século.
Mais precisamente, um retorno a um almoço de domingo quando, ainda criança, sentava-se à mesa com seus numerosos familiares. Nesse momento Laurindo Barbosa interrompe seu relato para indagar de forma abrupta seus ouvintes: “— E o que é que se servia aos domingos à refeição de todos os parentes?” Sem aguardar pela resposta, ele diz: “— Isso mesmo, frango assado e macarrão!”.
Mesa posta, cada coisa e cada um em seu devido lugar, Laurindo nos convida a observar atentamente como se dá a distribuição do frango em sua família; sim, apenas da galinha, porque o macarrão era (“como ainda hoje o é”, ele ressalta) distribuído sem restrições à cor, ao gênero, à religião e à idade do comensal. Interessa investigar a repartição e distribuição da galinha.
Laurindo faz uma pequena pausa para olhar para cada um de seus interlocutores e, então, indaga: “Quem é capaz de dizer em qual prato será depositada a porção de carne mais nobre da galinha, o peito?”.
Se alguém se arrisca e responde que é no prato do pai, Laurindo abre um sorriso para dar os parabéns a todos e segue contando sua estória com mais empolgação. Agora se a resposta não for essa ou se ninguém responde, ele fecha a cara e ameaça parar com o relato porque ninguém está verdadeiramente interessado em ouvi-lo (só depois de muita insistência e bajulação é que ele continua).
“E por que para o pai?”, pergunta. Ele mesmo explica: “Ora, é o pai quem responde pelo sustento da casa, pelo provimento dos familiares, ele é o chefe da mais fundamental estrutura da sociedade, é a garantia presente de bem-estar para todos aqueles que de seu trabalho dependem”.
Prosseguindo na observação, pode-se ver para quem vai o segundo pedaço da galinha (provavelmente, uma coxa): trata-se do varão, do primogênito que se ainda não trabalha com o pai logo mais estará com ele ganhando o “pão com o suor de seu rosto”. E depois do pai e do irmão mais velho do narrador, quem recebe a outra coxa da galinha? Quem disser que é a mãe do Laurindo Barbosa ainda não conseguiu se transpor para o contexto social anterior à vigência do Código Civil de 1916.
De fato, o terceiro contemplado é o avô. “Surpresos?”, pergunta Laurindo Barbosa encarando-nos. Ele esclarece então que, há cem anos atrás, o velho tinha uma importância inquestionável na sociedade: era, senão o maior, um dos grandes responsáveis pela manutenção e reprodução das tradições que garantiam a estabilidade das expectativas sociais e a integração entre as pessoas.
Após o avô é que finalmente a mãe fazia seu prato: comia, talvez uma das asas e os nacos de carne resultantes das divisões anteriores. “Claro”, diria Laurindo se a ele interessasse uma análise jurídica daquela ceia: depois do principal segue sempre o acessório, tal como determinava a legislação daquele tempo; isto é, tendo saciado o macho pode a fêmea se saciar.
Seguia-se a distribuição da galinha às crianças da família em ordem decrescente: das mais velhas às mais novas. É neste momento que se pode visualizar com nitidez a presença de Laurindo Barbosa de calças curtas e com o prato esticado para receber, por fim, seu pescoço de galinha. Sem discutir as peculiaridades da condição de “caçulinha”, sobrava para o protagonista o pedaço considerado de menor prestígio, indicando, portanto, seu lugar, ou melhor, o lugar da criança na sociedade daquela época.
Pode parecer estranho a muitos, mas naquele contexto sócio-cultural a criança era tão somente um projeto de gente, uma possibilidade de pessoa. Por isso que o Ordenamento Jurídico não lhe conferia a titularidade de direitos. Às crianças aplicava-se a tutela dos pais (o chinelo e o marmelo) e, quando não bastava, cabia ao Estado aplicar o código de menores. Para evidenciar esta sub-condição social da criança convém lembrar da denominação atribuída (até hoje) à escola infantil anterior ao ensino fundamental: jardim da infância, porque é no jardim que se deve plantar as “sementinhas de gente” que, um dia, germinarão a florescerão como sujeitos plenos de direitos e responsabilidades.
Realizado o flash-back descrito acima, Laurindo Barbosa atualiza a cena de domingo, colocando seu leitor à mesa de sua família diante da panela de macarrão e da travessa contendo o galináceo, desta vez, já destrinchado. Mais uma vez, chama atenção para distribuição da galinha e, conseqüentemente, para organização social que tal partilha indica.
Hoje, terceiro milênio, transcorridos mais de um século daquele outro almoço em Ribeirão Preto, não há dúvidas de que para a seguinte pergunta haverá uma única resposta: quem recebe a galinha em primeiro lugar?
Laurindo fique feliz da vida por ouvir a maioria responder em coro e sem hesitar: a criança. Sinal de que prestamos atenção na estória.
Hoje em dia pode-se verificar que em qualquer família, rica ou pobre, as crianças comem antes mesmo que o pai. Nem precisam se sentar à mesa; comem vendo televisão. Apenas depois das crianças são servidos os demais, em condições de igualdade. Com exceção dos velhos que, face ao ocaso das tradições, foram relegados à condição de sujeitos improdutivos, de obstáculos à estabilização das contas públicas. E, assim, os velhos acabam ficando com pescoço de galinha. Do mesmo modo que ficavam as crianças há um século atrás. Daí porque Laurindo Barbosa diz que sua estória é a história de toda uma geração que ele denomina “geração pescoço de galinha”: quando criança comeu do pescoço e agora, como velho, continua a comer dessa mesma carne; dois momentos de uma única condição, a sub-cidadania.
Embora não fale em sub-cidadania, Laurindo termina seu testemunho enfocando a marginalização do velho na sociedade. E sem dizer mais nem uma palavra, permanece por alguns instantes com o olhar fixo no horizonte até que seus olhos se encham d’água sensibilizando todos a sua volta.
Meu amigo jura de pé junto que seu bisavô é tratado como um rei na família e que seu relato é a denúncia da situação em que vivem os demais velhos da vizinhança, do país. O resto é mise-en-scène.
Voltando um pouco atrás na narrativa, interessa-me sublinhar a mudança radical de posição vivenciada pela criança nos últimos cem anos. Entretanto, para vislumbrar e depois compreender essa inversão extraordinária da condição da criança (que parece ter atingindo o auge no século XX), é necessário ver além da carne de pescoço depositada no prato. Do contrário, nada terá mudado.
Assim, a partir desse relato, podemos entender porque as crianças têm prioridade absoluta à mesa e em quaisquer outras situações. Por conseqüência, poderemos compreender o texto do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que expressamente diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A compreensão paradigmática do texto e do contexto

Mas, por que houve esta mudança?
Impossível identificar a totalidade de fatores e relações que promoveram tamanha transformação. Todavia, pode-se apontar alguns entendimentos que sustentam a conexão entre o lugar que a criança ocupa nesta sociedade (contexto) e a condição de sujeito de direito a que foi alçada pela legislação, sobretudo, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (texto). Philippe Ariès (1981) produziu um dos estudos mais robustos sobre o surgimento da infância, investigando a formação histórica da família na França entre o fim da Idade Média e o início da Modernidade. As informações que ele oferece sugerem que a criação da infância é resultado de uma diferenciação funcional da sociedade (a essa altura já percebida como um sistema) que, por sua vez, resulta de uma progressão moral da humanidade. Desta forma, com base nas considerações de Ariès e nas considerações críticas de Bobbio sobre a questão kantiana do “constante progresso para melhor”, parece correto afirmar que os textos normativos modernos marcam/assinalam cada estágio desse processo constante — para não dizer progresso — de complexificação social (do qual o texto constitucional citado é o exemplo por excelência).
Por isso, se a criança é percebida como o futuro do país, sobre a qual se depositam as expectativas sociais e os projetos individuais de uma vida melhor, nada mais coerente do que protegê-la e promovê-la; pois, todos nós entendemos que o desenvolvimento das crianças resulta na realização de cada um. A criança só pôde ser priorizada como sujeito de direitos no texto da Constituição porque era, em 1988, e ainda é prioridade em nossas vidas seja qual for o contexto. Ao longo dos anos fomos nós, os adultos, que decidimos garantir à criança o que comemos de melhor, o que vestimos de melhor, o que sabemos de melhor e etc.




PS: Em 2003, eu contei essa estorinha pela primeira, com algumas poucas diferenças, em minha dissertação de mestrado. No ano passado resolvi repetir a narrativa em minha tese de Doutorado. Porque, sempre quando posso contá-la, as pessoas costumam me dizer (depois) que a estória é esclarecedora. No dia 10 de junho, sexta-feira, repeti a dose na Conferência de abertura do Fórum Permanente de Empreendedorismo e Inovação da UNICAMP e, para a minha grata surpresa, a maioria dos presentes parece ter gostado muito. Espero com essa postagem poder demonstrar um pouco mais o quanto fiquei feliz com a oportunidade do encontro com os participantes do referido Fórum. Obrigado, em especial, à Sandra, à Ana Beatriz e à Carina.

PS2: Em tempo: na verdade o Laurindo Barbosa era o meu bisavô, avô de minha mãe. Mas que, na prática, foi meu avô também porque o pai de minha mãe, de quem recebi o nome, morreu muito cedo. Ao menos, para mim.