terça-feira, 29 de junho de 2010

I-n-c-o-n-f-e-s-s-á-v-e-i-s (o que os pais pensam, mas não têm coragem de dizer)

Ahhhhhhh, como é bom quando a vacina tem uma reaçãozinha colateral suave, previsivelmente sem maiores consequencias: primeiro vem aquela febrizinha discreta e depois os meninos ficam moles, rosados, lassos e surpreendentemente quietos.

filhosofando com... Rousseau

[...] nosssos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas mãos, nossos olhos. Substituindo tudo isso por livros não significa nos ensinar a pensar, significa ensinar a nos servir da razão de outra pessoa; significa nos fazer crer em muita coisa sem que jamais saibamos de algo.

"Logo Rousseau? ", poderão pensar os mais entendidos.
"Como filhosofar com um sujeito que mandou para o orfanato os cinco filhos que teve com a amante?"
Bom, há quem diga que ele quis poupar os filhos de suas sandices; justamente por acreditar no poder do exemplo (e, por consequencia, do péssimo exemplo que ele seria).
Rousseau escreveu um dos mais instigantes trabalhos sobre a educação de crianças: Emílio. Quem não puder ler o livro todo, vale a pena ao menos a leitura da parte quatro (ou "quarto livro") intitulado "Profissão de fé do vigário saboiano".
De onde retirei o trechinho transcrito acima.

Uma das “funções” do irmão mais novo

Sempre foi assim: o Antônio comendo tudo o que oferecíamos sem qualquer enrosco e o João Pedro comendo quase tudo o que oferecíamos com enorme sacrifício.

Foi assim até o início desse ano quando o João, estirando feito bambu, passou a comer que nem gente grande. Em compensação, na mesma época, o Antônio perde a boca boa e começa a refugar diante do prato.

Como conseqüência, todas as advertências que fazíamos ao João passamos a fazer ao Antônio.

Hoje de almoço teve lombo com mandioca frita. O irmão mais velho bateu o prato e foi brincar até que chegasse a hora da escola. O mais novo enrolou o quanto pôde para matar o porco e já no limite perguntou à mãe se ele podia deixar sobrar um pouquinho. Para ajudar, a mãe pegou um pedaço de mandioca do seu prato, mas Tunico ralhou e pegou outro. Ato contínuo disse que estava satisfeito.

Aí entrei na conversa para dizer que em casa não se estraga comida e, portanto, [se ele] colocou comida no prato tem que comer. Ambos reconheceram o “princípio fundamental” tantas vezes enunciado. O Antônio se calou, disfarçou e se pôs a comer. Depois de uns segundinhos, o João refletindo sobre o ocorrido disse ao Antônio: “Nenê, quando eu era pequeno isso também acontecia comigo, mas você logo aprende”.

E então me dei conta que uma das muitas “funções” do irmão mais novo é proporcionar ao mais velho oportunidades de reflexão (de pensar sobre suas próprias ações passadas projetando-se no presente do irmão). O irmão mais velho vai, assim, amadurecendo por contraste.

I-n-c-o-n-f-e-s-s-á-v-e-i-s (o que os pais pensam, mas não têm coragem de dizer)

Outro dia passou pela cabeça de um velho amigo dizer para babá de seus filhos que só o incomodasse em caso de mutilação, porque a reimplantação do membro amputado precisa ser rápida.

Em caso de morte instantânea, pensou em dizer, não seria necessário entrar no escritório, pois não havendo como remediar a situação a babá deveria esperar a mãe voltar do supermercado.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

aFoRiSmOs

Hoje o Brasil fez 3 na seleção do Chile, mas foi o João Pedro quem goleou.

Fomos à chácara do vovô para assistir o jogo com toda a turma da Loja.
Começa o hino nacional e todos se levantam. Alguns colocam a mão sobre o coração. O Antônio observa intrigado. Mas o João ao vê-lo olhando para trás curioso prontamente o repreende dizendo: "Nenê, tem que ficar de pé, é o hino do Brasil".
O Antônio obedece e se coloca ao lado do irmão, mas não deixa de questionar: "Por que João, a gente têm que ficar assim?"
"Porque a gente tá rezando pro Brasil", explicou o João.
E então minha tia foi correndo me chamar para ver os dois irmãos perfilados com a mão no peito acompanhando a execução do hino.

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

Ontem [17 de maio de 2003] lhe disse que falaríamos um pouco mais sobre a maneira pela qual você decidiu chegar. No entanto, acho que hoje não vai dar tempo. Tenho que trabalhar muito, talvez acabe o domingo sem que eu tenha conseguido concluir todas as tarefas.

Este excesso inevitável de trabalho com que tenho vivido há dois meses escureceu-me, ou melhor, dificultou-me a comemoração da notícia de sua chegada.

É que dias antes de sabermos de sua gravidez, sua mãe e eu havíamos discutido e decidido aceitar uma proposta de trabalho que me faria trabalhar o triplo. Seu pai aceitou um convite para assessorar o Prof. José Geraldo na organização do Departamento de Políticas do Ensino Superior (DEPES) no Ministério da Educação, integrando assim o Governo do Lula.

Quando você crescer e puder se apaixonar pelo seu país, certamente conversaremos sobre política e nos lembraremos com muito orgulho deste ano de 2003 como o ano do renascimento da esperança (talvez você e todas as crianças concebidas e nascidas sob a expectativa de um Brasil melhor, efetivamente democrático, sejam conhecidas como geração esperança).

Mas, neste momento, o trabalho excessivo mais me extenua do que me dignifica: são tantos os percalços no caminho que estamos obrigados a andar lentamente e olhando sempre para baixo; e para quem a vida toda caminhou com utopias isto não é nenhum um pouco agradável. Por isso, especialmente pelo trabalho a que estou me dedicando, não pude festejar de imediato a notícia de sua chegada: até fiquei triste em imaginar que não poderia ficar ao lado de sua mãe e ao seu lado como eu sempre havia sonhado.

Saiba, meu filho, que desde minha adolescência estou me preparando para recebê-lo, há mais de quinze anos que penso em ser seu pai. Por esta razão, faz quatro ou cinco dias que decidi permanecer mais um mês trabalhando com a mesma intensidade, consumindo nossos finais de semana com as tarefas acumuladas de segunda a sexta. Passado este período, se não passar o atropelo deixo o governo e me dedico apenas a você e a sua mãe.

Escrito em 18 de maio de 2003

segunda-feira, 21 de junho de 2010

esperança em flor


A flor dente-de-leão é também chamada de "esperança".


domingo, 20 de junho de 2010

O José, o João e (ufa!) nenhum sinal de deus

Acabo de assistir um "Roda Viva" de 2003 com o Saramago.
No dia 16 de junho comecei a escrever este blog fazendo uma ref(v)erência expressa a ele e dois dias depois, na sexta, Saramago morre.
Fiquei bastante triste. E como João Pedro estava comigo no momento em que tomei conhecimento da notícia acabei dizendo a ele que estava triste.
"Ele era da nossa família, papai?", perguntou.
Respondi, "como se fosse". E expliquei ao João que existem pessoas -- quase sempre escritores -- que se tornam tão importantes em nossas vidas que os consideramos intima e afetivamente como se fossem tios, irmãos e até pais da gente: José Saramago seria, portanto, seu tio-avô.
Acho que ele entendeu porque ficou ali do meu lado de braço dado me confortando em silêncio.

São inúmeras as passagens textuais e as manifestações de Saramago que marcam minha vida, que pontuam minha própria história. Talvez a mais significativa seja uma resposta que ele deu, não sei quando e não me lembro para quem, sobre o seu ateísmo. Foi algo assim: "não sou completamente ateu, porque (ainda) fico procurando evidências da existência de deus".

Na época reconsiderei minha absoluta e pacífica descrença, pois se até Saramago se permitia a dúvida?, e me lancei à procura de sinais.
Ainda bem que, quando quis, não encontrei. Mas, confesso, que quase enlouqueci só de pensar que o "sinal" pudesse ser uma deficiência congênita no João Pedro. Dificil de lembrar, difícil de falar. Por isso interrompi a "conversa" intra-uterina" (que estou registrando aqui com o subtítulo "memórias de fora para dentro") que mantinha desde o terceiro mês de gravidez...
Mais a frente vou contar como tudo aconteceu.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Intra-uterinas (memórias de fora pra dentro da barriga)

Não sei se adiei conscientemente esta nossa primeira conversa ou se de fato e inconscientemente precisei destes quase três meses em que você chegou para conseguir superar as primeiras dificuldades que a condição de pai parece me impor.

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Bom, antes de mais nada, creio que devo lhe explicar porque estou lhe tratando como se soubesse que seu sexo é masculino.

Saiba que até agora não sabemos — e pelos recursos atualmente disponíveis pela medicina nem poderíamos saber — se você é menino ou menina. Pelo que sua mãe me disse (ela leu numa agenda/manual da gravidez que logo, logo você conhecerá) você deve estar com uns dois centímetros de tamanho, e também pelo que posso me lembrar de meus estudos de biologia (esta conversa fica para depois, mas saiba que sempre gostei de estudar biologia a ponto de pensar em ser médico) seu organismo ainda não apresenta grandes distinções em relação aos demais mamíferos: é preciso lhe contar que sua forma se confunde com a de um macaquinho no ventre de sua mãe. É verdade! Um dia você saberá que essa semelhança nada tem de errado; muito pelo contrário, ela só revela a “correção” da natureza no processo de seleção das espécies (olha eu aí complicando de novo...) Apesar de saber que sua mãe, sua avó e sua madrinha não gostam que eu faça tais comparações, eu continuo fazendo para que você entenda a minha dificuldade em dizer “filho ou filha”, para que você perceba a dificuldade em estabelecer qualquer relacionamento entre nós. Talvez estas dificuldades de pai — que são aqueles mamíferos humanos que não possuem as condições necessárias para gestação —, esta certa distância natural, já que você está crescendo dentro de sua mãe (acredito que isso você já sabe, não é preciso que eu lhe diga), justifiquem a inexistência de livros escritos por e para papais sobre o período de gestação de seus filhos.

Eu decidi assumir minhas dificuldades, meu desconhecimento sobre como devo me relacionar contigo, sobre como devo lhe chamar. Pois mesmo diante de todas estas dificuldades — que no fundo não são tantas e nem tão relevantes como pareciam há duas semanas atrás —, eu sinto uma grande necessidade de me comunicar com você, de lhe conhecer e de amá-lo ainda no ventre.

Não sei se será João ou se será Maria. Assim sendo não estranhe caso eu mude a forma de tratamento nas próximas vezes em que nos falarmos. Não tenho certeza, vou procurar checar nos livros de sua mãe, mas acho que podermos conhecer seu sexo a partir do quarto mês de gravidez.

Mas você pode estar se perguntando: por que então você não me trata como filha?

Porque a esta altura você é o assunto principal em nossas vidas, e o que mais fazemos é palpitar sobre seu sexo, seu nome, suas semelhanças, sua personalidade... enfim, vivemos especulando sobre você.

Já se passaram dois meses em que nós sabemos sobre sua existência, dois meses desde que fui buscar o resultado do exame (este é o próximo capítulo desta nossa longa conversa), e até então tanto eu quanto sua mãe em momento algum conseguimos pensar em você como menina.

E saiba que sempre quando me imaginei como pai, via-me cercado de filhas. Três. Nunca pensei em ser pai de machos. Tanto é assim que temos um monte de nomes de meninas acumulados ao longo dos nossos 10 anos de convivência (um dia lhe falo sobre mim, sua mãe e nosso amor que é da onde você foi concebido), e apenas um ou dois nomes de menino.

(sua mãe chegou agora de um chá de bebê de uma amiga nossa e acabou nos interrompendo para contar como foi bom estar entre amigos e levá-lo para passear; aí eu aproveitei para contar a ela tudo o que havíamos conversado. Vou tentar retomar da onde paramos)

Esta nossa percepção de que nascerá menino é, em muito, decorrência das características que convencionalmente são atribuídas aos homens num mundo de feições machistas. Isto é, ao relacionarmos sua ousadia em não se adequar aos nossos planos, sua habilidade de superar os obstáculos (saiba que sua mãe tem o útero invertido isso significa que o espermatozóide teve de subir uma ladeira para se encontrar com o óvulo), sua capacidade de decisão (você quis nascer e... pronto!), enfim, ao relacionarmos essa sua personalidade forte ao sexo masculino estamos revelando e admitindo parte de nossos preconceitos. Mas não é só. Existe algo mais que ainda não podemos lhe explicar porque apenas sentimos (você aprenderá que na maioria das vezes o sentimento é muito anterior à explicação). Tentarei mais adiante.

Escrito em 17 de maio de 2003

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lições de Filhosofia

A primeira lição se chama João Pedro e a segunda, Antônio. Respectivamente, já são seis e três anos de intenso aprendizado. Dizem que nunca termina: é trabalho pra vida inteira.

Desconfio que uma "vida inteira" não seja suficiente. Por isso, achei melhor me preparar logo para uma eternidade com meus filhos (vai que o Saramago está errado e existe mesmo um lugar depois da vida pra gente viver mais?).

A preparação consiste basicamente em refletir sobre quase tudo o que os filhos fazem (ou não). Em descobrir e compreender os sentidos que nós, os pais, atribuímos a cada gesto que eles realizam. Conhecer-se mais profundamente pelas crianças (sem diminuí-las ou agigantá-las) é, desta perspectiva, criar filhosofias.